sexta-feira, 17 de agosto de 2012

VEJA NA HISTÓRIA - JULHO DE 1501


Descobrimentos
VEJA, 1° de julho de 1501
Uma intrépida cepa de navegadores parte para decifrar o desconhecido

ue gente é esta que está reformulando os contornos do mundo em que vivemos? E como esta cepa de desbravadores viceja, mais do que em qualquer outro lugar, em Portugal? Os homens são vistos a toda hora, nos estaleiros da Ribeira das Naus, nas tendas das peixeiras ou nos debates que animam a corte. São marujos simples, tocados do campo para o mar pela fome ou pela peste. Pilotos experientes, orgulhosos da ascensão profissional. Fidalgos de linhagem respeitável e fortuna pouca, dispostos a servir ao rei, à Igreja e às próprias necessidades financeiras. Aventureiros, sábios, estrangeiros das mais diversas procedências.
Sair ao mar é, para os portugueses, questão de destino e necessidade. Nesta nesga de terra espremida entre o mar, de um lado, e a Espanha, de outro, o futuro é navegar. E é isso que tem sido feito nas últimas décadas. A arrancada foi dada por dom Henrique, o infante – como são chamados os filhos mais novos do rei –, que mereceu o epíteto de o Navegador. Por quase quarenta anos, entre 1422 e 1460, fez palmilhar com suas caravelas o litoral oeste da África. Acumulou fortuna, abriu horizontes e definiu os rumos do Portugal moderno. Dom Henrique teve a prova definitiva de que navegar era o destino de Portugal quando, na Ceuta tomada aos muçulmanos do norte da África pelos soldados de seu pai, dom João, viu de perto o que a Europa estava perdendo ou pagava fortunas para ter: armazéns abarrotados de especiarias, jóias e tecidos do Oriente e ouro, prata e marfim do interior africano. Viu, mas não aproveitou, pois a ocupação cristã removeu Ceuta da rota das caravanas. A partir daí, dom Henrique abraçou o que seria o objetivo de sua vida: ir às fontes da riqueza, de navio, por onde ninguém tinha navegado antes.
Tímido e retraído, dom Henrique, uma vez definido seu destino, viveu como um monge. Consta, inclusive, que morreu sem conhecer mulher. Raramente ia à corte, em Lisboa, preferindo a reclusão de seu castelo no Promontório de Sagres. Lá desenvolveu a caravela, organizou estudos de astronomia e cartografia, abriu caminho a novos e avançados instrumentos de navegação. Com seus recursos, dom Henrique reuniu marinheiros audazes e os pôs a descobrir. E como descobriram! Sem nunca ter saído por mares desconhecidos, o príncipe acumulou, acima de tudo, um decisivo conjunto de informações sobre o temido Mar Oceano.
Légua a légua, os barcos portugueses foram descendo o mar imenso, beirando a costa da África. Eram viagens governadas pelo pânico. Acreditava-se que no mar aberto havia monstros, serpentes gigantescas. Foram necessários doze anos e quinze expedições para desmentir todas as lendas sobre o oceano, que paralisavam os marinheiros. Nessa aventura, as caravelas acharam as ilhas de Cabo Verde, levaram os portugueses à Ilha da Madeira e aos Açores, percorreram o litoral africano. Os marinheiros que voltavam para contar a história traziam relatos cheios de novidades. O retorno financeiro, bem mais concreto, firmou-se a partir de 1444, quando a desolação deu lugar a terras habitadas. Duzentos africanos foram capturados e prontamente vendidos como escravos em Portugal, ponto de partida do lucrativo tráfico dos dias atuais – por determinação do papa, o rei pode dispor desde então como quiser de todos os não-cristãos nas terras desbravadas pelos portugueses.
Vieram, enfim, o ouro e o marfim, e o comércio floresceu: desde 1445 que umas 25 caravelas aportam todo ano na costa conhecida da África. Ao morrer, em 1460, dom Henrique, o infante taciturno e místico, mudara uma nação: Portugal desviara os olhos do continente e os voltara para o oceano imenso, e o que nele havia a ser conquistado. Começava a epopéia que ainda não terminou.

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