Agora, ele não precisa obedecer nem ao papa. Na corte, o rei Henrique
VIII desfila suas excentricidades – e deixa revelar seus temores. Esposas,
clérigos, conselheiros... ninguém está a salvo da ira do monarca
Analisando-se exclusivamente seu lado iluminado, Henrique VIII é, disparado, o melhor partido da Europa. Atlético, vigoroso, praticante de esportes tão variados como a justa e o tênis, excelente dançarino, cavaleiro e esgrimista, o dono da coroa da Inglaterra revela-se ainda um homem culto e inteligente. Fala inglês, francês, latim e espanhol, escreve ensaios, compõe canções de amor. Além disso, as pretendentes o veem como um dos homens mais elegantes do planeta – seu guarda-roupa e sua joalheria não encontram par nem mesmo entre as mais bem-vestidas damas da corte. Criado nas tradições católicas, é temente a Deus, e, depois de se revoltar contra as autoridades eclesiásticas de Roma, tornou-se cabeça da religião na Inglaterra – o que faz dele o mais bem-apessoado representante direto do Todo-Poderoso na Terra, com o perdão do papa Paulo III.
Tudo seria um conto-de-fadas se o rei não desfilasse medos e manias que o tornam, também, um dos soberanos mais sombrios entre todos os monarcas da Europa. Apesar de já ter assumido o trono em um reino pacificado e financeiramente saneado – seu pai, Henrique VII, havia colocado um fim às disputas e estabelecido o jugo da dinastia Tudor em 1485 –, Henrique VIII é verdadeiramente paranoico quando se trata de sua sucessão. E o fato de que em quase três décadas de reinado tenha falhado em produzir um herdeiro legítimo apenas o torna mais instável. O monarca não acredita que sua dinastia estará segura com uma mulher no comando, e não quer legar ao país uma nova guerra pelo trono. Henrique VIII já pediu a cabeça de duas esposas, e ninguém garante que Jane Seymour não terá o mesmo destino caso demore a gerar um menino.
Impotência e desconfiança – Curiosamente, Henrique VIII, terceiro rebento de Henrique VII e Elizabeth de York, não foi preparado para ser rei – tarefa que cabia ao primogênito, Artur. Sua educação o encaminhava a uma carreira no clero. Entretanto, a morte do irmão, em 1502, fez de Henrique, então com dez anos, o novo Príncipe de Gales. Sete anos depois, logo após a morte do pai, recebeu uma autorização papal para casar-se com a viúva do irmão, Catarina de Aragão. A nobre espanhola havia garantido que o matrimônio não havia sido consumado – Artur, dizia ela, era doente demais para fazer qualquer coisa no leito real. (Foi com base na ilegalidade desta autorização que o soberano, mais tarde, solicitou a anulação de seu primeiro casamento, cuja negativa o fez romper com o Vaticano.) Henrique VIII e Catarina de Aragão foram coroados rei e rainha da Inglaterra em 24 de junho de 1509.
Aos 45 anos, o rei da Inglaterra é um notório hipocondríaco, fanático por elixires e fármacos – que, dizem as más línguas, só não conseguiram resolver seu problema de impotência sexual. Dono de um temperamento explosivo, tem sérios problemas de confiança, que não demoraram a se manifestar assim que a coroa repousou sobre sua cabeça. Dois dias depois de ser oficialmente proclamado rei, ordenou a prisão e execução de dois ministros de seu pai. Ser amigo do monarca, no caso de Henrique VIII, pode até significar benefícios imediatos, mas a longo prazo não é garantia de salvação. Três de seus assessores que pareciam intocáveis aos olhos dos súditos – o cardeal Thomas Wolsey, o bispo John Fisher e seu conselheiro pessoal Sir Thomas More – foram executados de acordo com sua vontade. Thomas Cromwell, portanto, que se cuide.